Nessa nova fase em que me encontro, numa idéia de ver quais os limites em que os indivíduos podem chegar, de romper o seu "certo" ou ultrapassar o limite de sua humanidade, eis que deparo-me com um ítem salvador a todos: a arte.
Stalingrado, Segunda Guerra Mundial. O frio que assola a cidade é de cerca de -40C. Os alemães não tinham alimento ou roupa para tolerar tamanho frio. A humanidade se esvaía da mesma forma que sua sanidade. E eram ordens superiores seguirem a batalha. E, caso caíssem, sempre guardarem a última bala pra si mesmos, e nunca deixar nada que pudesse ser usado pelo inimigo. As ordens eram extremas, a posição em campo era extrema, o frio era extremo. A insanidade se instala. As mortes eram desnecessárias nesse momento, onde uma postura desconfortável gerava uma execussão.
Grande parte das tropas caíam por inanição. A vontade de se manter em pé era nula, o indíce de suicídio da tropa era bastante significativo, da mesma forma que o número de execussões desnecessariamente arrogantes.
Stalingrado está cercado pelo Exército Vermelho. Os alemães dominam a cidade, mas sem nenhum poder de ir e vir. Os civis que seguem na cidade são muito bem tratados pelos alemães, que davam chocolates para as crianças. Mas o bem tratar terminava por aí, pois eles tinham de confiscar seus cobertores e suas casas por necessidade de guerra. Ainda assim, os civis nutriam algum tipo de afeto por seus dominadores, pois sua pátria os deixou ali. Foi uma opção dá URSS deixar civis na área. Além do mais, se numa sociedade os trabalhadores são dispensáveis, por que não em momento de guerra?
As baixas alemãs eram altas. As baixas russas eram altas. A neve no chão era alta. Ambos os lados estavam cansados e desesperados, as estratégias eram drásticas. Não haviam prisioneiros. Não havia como se fazer nenhum tipo de prisioneiro quando o exército morria de inanição. Quando o exército sobrevivia de carne de cavalo e, quando estes acabaram, de carne humana. Chegou ao momento de haver tráfico e venda de carne humana, entre civis e soldados. Não haviam mais cães. Não haviam mais gatos.
Foi quando um médico e também teólogo, Kurt Reuber, encontrou um lápis. Um simples lápis forneceu o material necessário pra um novo ímpeto, uma nova busca aos soldados.
Era aquela figura simples, que era observada sempre, por todos os soldados, traços diretos, textura óbvia. Aquela figura oval, representando a mãe que segura o filho. Mesmo se tratando de uma imagem religiosa, que foi reverenciada como um ícone, eis uma importante função da arte, da imagem, da estrutura visual. Aqueles que tinham esquecido suas crenças quando foram esquecidos por sua pátria, aqueles que se sentiam desamparados, mas ainda queriam encontrar algum alento na alma, encontraram na Madona de Stalingrado uma mão quente em suas frias almas, e o resultado foi patrioticamente bom: os alemães voltaram a ter esperança de que tropas os resgatariam do caldeirão, e voltaram a lutar com mais gana. A resistência e a estratégia se renovaram.
Mas como o poder da esperança que uma imagem é capaz de criar numa alma perdida é aterrorizante para todos aqueles que perdem suas esperanças ao longo do tempo, a saída do Caldeirão não chegou a tempo, e nosso artista Kurt Reuber foi aprisionado e depois morto pelo exército vermelho.
Se considerarmos que a guerra, ou ao menos essa batalha, conseguiu forças na propaganda e na especificação de que as raças eram diferentes não eram pessoas, e sim, animais, caça, e esta mentalidade permitiu que se comesse carne humana ou se usasse pele de pessoas como couro em móveis e adornos, soa-me muito contraditório que toda a estrutura, no desenrolar da ocupação, leve os caçados a estratégias racionais e emocionais. Diante da irracionalidade do animalesco, o quão cegos todos têm de estar para não ver que aquilo que supostamente deve os diferenciar está ali, exposto, unindo-os como iguais?